Fútbol

A homenagem e a história do dia em que um jovem Duarte Gomes … – Tribuna Expresso


Subi à primeira categoria nacional em 1996/1997, com 24 anos de idade.

Mas é justo referir que a história dessa promoção só se concretizou devido a uma alteração excecional nos regulamentos aprovados pela Liga Portugal, que previa o alargamento do quadro de árbitros a partir dessa época.

Até essa altura só eram promovidos os primeiros cinco classificados da 2ª Divisão, por troca direta com os cinco últimos do escalão maior. Nesse ano, fiquei em 8° lugar, portanto fora do lote. Nunca poderia ter sido promovido.

Mas o tal alargamento aprovado pelos clubes (na altura a arbitragem do futebol profissional estava sob a égide da Liga), pretendia, além de aumentar o número de árbitros disponíveis, renovar em idade, para projeção futura.

Foi por isso que aprovaram uma adenda que dizia que, para além dos cinco primeiros classificados, subiriam também os três seguintes que tivessem até 30 anos, fossem licenciados (ou frequentassem o ensino superior) e fluentes em inglês escrito e falado.

Portanto, que fique claro: o Duarte Gomes não subiu por mérito desportivo, mas porque beneficiou de uma alteração regulamentar.

E é precisamente nesse cenário de exceção que entra a figura central da história de hoje, a quem presto a minha homenagem: José Luís Tavares.

O Zé Luís era o então Presidente da Comissão de Arbitragem da Liga e, tal como eu, só soube oficialmente que teria mais árbitros no quadro após a aprovação em Assembleia Geral do tal normativo. Isso aconteceu poucas semanas antes do primeiro curso da época, para o qual também fui convocado.

Quando cheguei ao hotel para essa ação, sentia-me como um peixe fora da água. Um menino imberbe ao lado de conceituados como Paulo Paraty, Vítor Pereira, Lucílio Batista, Paulo Costa e outros.

À receção disseram-nos logo que o senhor Presidente iria falar em separado com os árbitros principais e com os árbitros assistentes. Em salas diferentes.

Timidamente e a tentar passar pelos intervalos da chuva, fui a passo de caracol para a sala onde estavam os árbitros.

O José Luís estava à porta, com a sua postura militarista e austera, que assustava o próprio susto. Olhou-me nos olhos e gritou: “Eu disse que nesta sala são só os árbitros!!! Os assistentes vão para a outra!!”.

Morri várias vezes. Quando ressuscitei, lá lhe disse, de voz embargada que quase não se ouvia: “Eu sou árbitro, Sr. Presidente”.

Ele ficou estarrecido. Percebi isso. Fitou-me dos pés à cabeça e não disse nada durante uns segundos. Depois lá sussurrou, em tom paternalista e de sorriso malandro: “Ah… você é um dos tais. Entre, entre”.

Entrei. Entrei e pensei para mim: “Aproveita bem, peixinho, porque este vai ser o teu primeiro e último ano a nadar com tubarões”.

A sessão de boas-vindas correu bem, mas ao fechar a intervenção, disse que queria que os três árbitros mais novos ficassem na sala. Novo terramoto, dos pés à cabeça. Mas pronto. Lá ficou o trio bafejado pela sorte com o patrão.

Lembro-me que nos voltou a olhar fixamente antes de falar. Depois disse, de forma seca e quase com desprezo, que tínhamos que “pedalar muito” para nos mantermos na 1ª categoria. Foi direto e claro, sublinhando que não concordava com a forma como tínhamos sido promovidos, mas que nos ia tratar de igual modo, não esquecendo que na sua consciência, éramos apenas “carne para canhão”.

Achei-o mau, bruto. Insensível até. Valorizei a sinceridade, percebi o alcance das palavras, mas odiei a forma e timing que escolheu para aquele desabafo.

Hoje, muitos anos e cabelos brancos depois, consigo entender a intenção, o que na verdade quis fazer naquele momento. Quis puxar por nós, dar-nos um valente abanão. Quis obrigar-nos a perceber a responsabilidade que recaia sobre nós. Queria que trabalhássemos o dobro para provarmos o triplo.

Fez bem, porque funcionou. E funcionou de tal forma que, no meu caso, a história da chegada imerecida à primeira categoria durou 19 anos consecutivos. O primeiro com sorte. Os outros 18 com muito trabalho.

O José Luís Tavares partiu esta semana, aos 87 anos de idade. Era uma figura única, especial. Muito especial.

Foi atleta de eleição e dirigente multifacetado. Além dessa presidência, esteve na origem do Núcleo de Árbitros de Futebol de Almada/Seixal, na APAF, na AF Setúbal, nos bombeiros e em muitas outras coletividades. Era um homem do associativismo, um fazedor. Tinha iniciativa e avançava para tudo, sem medos nem hesitações.

Era casmurro, teimoso e durão, mas de uma seriedade inatacável e numa altura em que ser dirigente de arbitragem era um desafio muito maior do que aquele que é hoje. Outros tempos.

O José Luís era também um ser humano bom, justo e muito leal. Um homem de palavra. Não porque morreu, mas porque o era de facto.

Acho justo que se saiba isso dele.

Merece agora o descanso que todos os grandes guerreiros devem ter quando terminam uma viagem cheia de momentos memoráveis. O seu legado viverá para sempre. O seu exemplo também.

Até um dia, Presidente.



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Marc Valldeperez

Soy el administrador de marcahora.xyz y también un redactor deportivo. Apasionado por el deporte y su historia. Fanático de todas las disciplinas, especialmente el fútbol, el boxeo y las MMA. Encargado de escribir previas de muchos deportes, como boxeo, fútbol, NBA, deportes de motor y otros.

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