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Entrevista «Houve luta muito grande na equipa técnica e grandes guerras para ver quem jogava» | Abola.pt – A Bola


Álvaro Magalhães foi um dos protagonistas no primeiro Europeu que Portugal disputou. Em entrevista a A BOLA, o antigo lateral esquerdo conta como foi bonito e emocionante jogar por aquela seleção, como foi o reencontro com Camacho e, claro, Fernando Chalana

Portugal participou pela primeira vez numa fase final de um Campeonato da Europa em 1984. À nossa seleção chamaram-na de «Os Patrícios». Foi um Europeu que França organizou e conquistou, depois ter eliminado Portugal nas meias-finais. Houve um jovem, de 23 anos na altura, que fez muitas diabruras no lado esquerdo da defesa de Portugal: Álvaro Magalhães. É o rosto desse Portugal que queria ser grande em 84 e para A BOLA recorda esse primeiro Europeu de Portugal. Histórias imperdíveis, Relatos na Primeira Pessoa que partilhamos de seguida.

40 anos depois desse França 84, o que é que tens na memória daquilo que lá viveste?

É um prazer estar aqui convosco e obrigado por este convite. Tenho memórias boas, pois foram momentos inesquecíveis, naquela que foi a primeira vez que Portugal entrou num Europeu. Representar o nosso país e a nossa seleção é um orgulho. E quem é que não gostaria de estar numa fase final de um campeonato da Europa a representar o país? Foi emocionante, foi bonito fazer parte de um grupo tão valioso como era Portugal.

Quando te convidei para partilhares um pouco dos muitos relatos que tens na memória desse Euro de 84, desafiei-te a trazeres-me algo que ainda tenhas dessa altura. 40 anos depois, o que é que me trouxeste desse França 84?

A camisola. Hoje não me servia, mas tenho guardada a camisola desse Europeu de 1984. Foi um Campeonato da Europa com coisas boas, com coisas menos boas, mas mais coisas boas. Estar numa fase final do Campeonato da Europa era muito importante para um jogador. Tínhamos quatro treinadores, liderados pelo nosso saudoso Fernando Cabrita, e isso levou a muitas discussões entre eles, sobre qual era a equipa que achavam que devia entrar de início. Havia dois grupos naquela Seleção. Um era a base do Benfica e o outro do FC Porto. Todos gostavam de jogar de início e houve uma luta muito grande na equipa técnica para decidir quem eram os jogadores que deveriam entrar logo no início.

O onze de Portugal no jogo de estreia no Euro84, com a Espanha (1-1) FOTO: A BOLA

Havia quatro treinadores, um futebol diferente naquela altura. Havia só oito seleções nessa fase final, quatro em cada grupo. Nós estávamos no Grupo 2. Que significado teve para ti pertenceres ao grupo daqueles que pela primeira vez vestiram as nossas cores, numa fase final de um Campeonato da Europa?

É o máximo que um jogador tem na sua carreira. O objetivo de um jogador é representar um grande clube e depois representar o nosso país. Foi importante para mim representar o nosso país numa competição tão valiosa, é o ponto alto da carreira de um jogador. Estar no Campeonato da Europa foi fantástico.

Portugal carimbou a qualificação para esse Campeonato da Europa depois de derrotar a antiga União Soviética, com um golo de Jordão.

Estive presente nesse jogo, mas não joguei. Tínhamos um grupo muito forte e jogou o meu querido, e grande amigo, Augusto Inácio. Foi um jogo fantástico, em que o Jordão acabou por marcar o golo de grande penalidade. O nosso Chalana enganou bem o defesa russo e acabámos por ganhar este jogo que nos levou à fase final do Campeonato da Europa em França. Foi uma noite memorável para todos nós, para todos os portugueses, que sentiram orgulho nessa Seleção. Estávamos no caminho certo.

O primeiro jogo de Portugal é com a Alemanha. Empatámos 0-0.

Exatamente. Foi um grande jogo frente a uma Alemanha muito forte que tinha jogadores de grande nível mundial como Rudi Völler ou Karl-Heinz Rummenigge. Fisicamente eram muito fortes e acabámos por empatar. Foi o início da nossa boa caminhada.

Foste titular nos quatro jogos de Portugal, num lado esquerdo que acabou por ficar na história também desse Europeu, por aquilo que tu e o Fernando Chalana fizeram com as cores de Portugal.

Fomos considerados a melhor ala esquerda do Campeonato da Europa, porque nós éramos mesmo os melhores. Formámos uma dupla fantástica. Eu tinha à minha frente um génio do futebol e eu tirei o maior aproveitamento das capacidades daquele génio que estava à minha frente. E ele também tirou o maior aproveitamento das minhas características, formámos uma dupla muito forte, e os adversários tiveram muitas dificuldades para nos segurarem. Portanto, foi um Campeonato da Europa memorável. Eu penso que nunca corri tanto na minha vida. Foi o ano em que eu ganhei o prémio de jogador mais titulado nessa temporada. Fazer os jogos todos do Benfica, e acabar numa fase final do Campeonato da Europa a correr daquela maneira, foi reflexo do bom trabalho no clube. Foram bem aproveitados aqueles magníficos jogadores que estavam nessa Seleção. Se olharmos só para os pontas-de-lança vemos que a Seleção tinha o Jordão, que era fortíssimo, tal como o Nené e o Fernando Gomes. Os jogadores que foram a base titular e os outros que entraram durante os jogos eram de grande nível. Todos queriam jogar e houve grandes guerras por isso.

Havia muito essa rivalidade de clubes, nesse caso, FC Porto/Benfica, nesta altura de 84?

Claro que todos queriam jogar, mas eram amigos uns dos outros. Não havia uma guerra. Todos queriam jogar, lutavam no treino para conseguirem ser titulares, mas, acima de tudo, estávamos a representar Portugal. Mas, quem joga num clube como o Benfica, ou como o FC Porto que até foi à final da Taça das Taças, tem mais facilidade em gerir a pressão. Nós tínhamos de estar orgulhosos por vestir aquela camisola e entrar em campo. Tínhamos de dar o máximo pelo nosso país. E nós sabíamos e tínhamos confiança no nosso valor. Isto é que é importante.

«Quando reencontrei Camacho no Benfica recordámos esse Euro84»

O segundo jogo foi com a Espanha. Empatámos 1-1, com um golo do António Sousa. Como é que foi a jogada desse golo?

Foi uma jogada fantástica. Eu e o Chalana estávamos endiabrados. Eu saio da minha posição, o Chalana faz um passe de 30 metros nas costas do lateral. O Antonio Maceda veio dobrar o lateral e tentou enganar-me, mas eu fui mais rápido, recuperei a bola. Antes do jogo o treinador António Morais alertou-me para que quando fosse à linha, em vez de cruzar a bola para o meio, cruzasse a bola para fora da área, porque o Sousa estava sempre naquele espaço. E eu, quando recupero a bola, só tive esse pensamento de colocar a bola, para o Sousa, que fora da área domina e faz um golaço. Um dos pontos fortes do Sousa era o remate. Era um grande jogador e faz um golo fantástico, que nos leva realmente à loucura. Unimo-nos ainda mais, porque sentíamos que tínhamos uma grande seleção e que podíamos chegar o mais longe possível nessa competição.

Carlos Manuel, Álvaro Magalhães, Chalana, Veloso, Bento, Bastos Lopes, Rui Jordão, Nené e Diamantino. Descontração no estágio de Portugal em Palmela (FOTO: A BOLA)

Essa Espanha, que Portugal defrontou nesse Euro 1984, com o qual empatou a um golo, tinha na equipa titular José António Camacho, que mais tarde encontraste no Benfica, ele como treinador principal e tu como treinador-adjunto. Quem era esse Camacho jogador?

Olha, era um jogador fantástico. Ele jogou mais até a central do que a lateral esquerdo. Era um esquerdino e um belíssimo jogador. Quando nos encontrámos no Benfica e eu fui seu adjunto recordámos esse Euro 1984. Foi agradável reencontrá-lo.

No terceiro jogo, jogámos com a Roménia e conseguimos a primeira vitória, por 1-0.

Foi o Nené que marcou o golo da vitória nesse golo. Foi um cruzamento fantástico do Sousa e acaba por ser o Nené a finalizar. Acabámos por ganhar esse jogo à Roménia que tinha László Bölöni a titular, e que mais tarde acaba por vir para Portugal para ser campeão no Sporting. Vejam bem que desse Europeu tivemos dois adversários a treinar Benfica e Sporting.

«Gozaram connosco em 84, 2016 foi uma vingançazinha»

A competição era diferente e passava logo da fase de grupos para as meias-finais. Portugal é segundo desse Grupo 2 e joga com a França nas meias-finais, o país organizador e com Platini como figura.

Foi o jogo em Marselha, num estádio frenético, mítico, que coloca os adeptos muito em cima do jogo e o apoio que a França tinha como organizador era tremendo. Nós estivemos a ganhar e com toda a justiça. Sentíamos tanta confiança que marcámos dois golos e tentámos marcar o terceiro. Estivemos a ganhar e depois tivemos uma grande infelicidade na parte final, acabámos por perdermos o jogo. A ambição e a confiança era tanta que se calhar se fôssemos um bocadinho mais espertos em termos de contenção, éramos capazes de ter conseguido ter ganho este jogo. Mas, também temos de dar valor à grande capacidade coletiva e individual da França, que tinha jogadores que de um momento para o outro poderiam resolver. Acabou por aparecer Domergue que empata o jogo e depois o Platini no último minuto do prolongamento. Mas foi injusto, porque o Nené poderia ter feito o 3-1 e o 4-1, pois teve duas oportunidades em que o guarda-redes acabou por ser, para mim, o melhor jogador em campo com duas defesas fantásticas.

A rivalidade de Portugal-França numa fase final de europeus já vem daí. Quando vencemos em 2016 sentiste também, de alguma forma, uma vingançazinha daquilo que passaste em 84, apesar de ter sido na meia-final e não na final?

Fiquei feliz, porque foi uma vingançazinha. Em 2016 ganhámos e isso foi para nós uma alegria fantástica. Foi uma vingança daquilo que aconteceu em 1984 contra a França. Gozaram connosco em 84, mas em 2016 já não, quem fez a festa fomos nós.

 Há 40 anos havia muitos portugueses a apoiar a Seleção?

Muitos portugueses. Sabes que eu tenho essa experiência também no Benfica pois quando íamos jogar lá fora de Portugal, nós tínhamos muitos portugueses, muitos emigrantes a apoiar. Nesse jogo do Campeonato da Europa tivemos muito apoio dos portugueses. Tivemos um apoio fantástico. Os portugueses gostam do nosso país, como é evidente, mas também gostam muito de futebol e estavam sempre a apoiar a nossa Seleção. Esse apoio ajudou-nos a conseguirmos bons resultados.

Essa França, naquela altura, tinha mais experiência do que Portugal, mas hoje já não notas essa diferença?

Eles tinham mais experiência que nós nessas competições e a experiência também conta muito. Esse Euro foi o arranque para o início desta grande caminhada da nossa Seleção. Portanto, quebrámos ali o enguiço e ganhámos ali motivação para os outros anos e Portugal praticamente está sempre qualificado para as caminhadas europeias e mundiais. Não quero ser saudosista, mas respeito muito esta geração, mas não vou deixar de falar na minha, que foi uma geração de ouro. De muita capacidade e de muita qualidade. Era uma Seleção fortíssima e havia jogadores de muita qualidade que acabaram por nem ser convocados para esse Campeonato da Europa. Posso lembrar-me do Shéu e do Manuel Fernandes, que acaba por ser um dos melhores pontas de lança do nosso futebol e não foi convocado.

«Há quatro tipo de jogadores, Chalana era um génio»

Fernando Chalana celebra com Rui Jordão um dos golos frente a França (FOTO: A BOLA)

Como é que era a alimentação dos jogadores no Euro 84?

Nós tínhamos tudo. O que eles têm agora também nós tínhamos. Agora, por exemplo, no pequeno-almoço, o grupo vai todo para a sala das refeições e naquela altura o pequeno-almoço era servido nos quartos. Eu preferia ir tomar pequeno-almoço na sala do que estar no quarto. Para mim era diferente porque estávamos juntos.

 No quarto, ficavas sozinho ou eram quartos partilhados?

Eram partilhados. Fiquei com o Diamantino. O Chalana não sei com quem é que ficou, mas eu ficava muitas vezes com ele.

 Quem é que era esse Fernando Chalana, naquela altura?

O Chalana era o génio do nosso futebol. Do futebol mundial. Ele faz parte de um grupo de jogadores que são os chamados génios. Portanto, eu costumo dizer que há quatro classes de jogadores de futebol. Há os bons jogadores, há os muito bons jogadores, há os craques e há os génios. Portanto, o Chalana faz parte dos génios. Era um genial. Era um jogador que fazia coisas que os outros não conseguem fazer. Cada um tem as suas características e ele era realmente um jogador fantástico. Um jogador brilhante. E como homem, então, era um fora de série. Eu era muito amigo dele. Deixou-me com muitas saudades e, portanto, foi um jogador que desempenhou bem as suas funções e que demonstrou, a nível mundial, a classe, e a qualidade de um jogador português.

 Quem é que era a figura daquela Seleção no Euro 1984? Era ele?

Acabou por ser ele. O grupo era muito forte. O FC Porto tinha jogadores muito fortes, com experiência internacional. O Benfica já era um clube com muita qualidade. Fernando Gomes já era grande nessa altura. O Jordão também.

 E quem é que era o mais brincalhão do grupo?

O Chalana era um deles. Além de ser um grande jogador, estava sempre bem disposto naquele espaço de descontração, naqueles momentos de estarmos mais descontraídos, sem aquela pressão do jogo. Era um jogador sempre disponível para estar sempre nas suas brincadeiras. E sempre disponível também para jogar às cartas, que é o que ele gostava de fazer.

Álvaro Magalhães na viagem para França (FOTO: A BOLA)

 Era assim? Passava o tempo livre a jogar as cartas?

Sim jogávamos às cartas. Outros iam para o ping-pong, para nos distrairmos um pouco. Outros iam para os quartos como era o caso do Jordão, que era diferente de todos os outros e isolava-se muito. Já naquela altura, ele já era um jogador que gostava de estar mais sossegado no seu quarto. Era um grupo bom e coeso que soube representar bem Portugal.

 O Chalana jogava bem às cartas ou só jogava bem com a bola nos pés?

Com a bola no pé jogava muito e às cartas também jogava muito. Havia o grupo do Barreiro que estava sempre disponível para jogar às cartas. Eram fortíssimos e assim distraíamo-nos.

 Gostavas que quem aos dias de hoje vê futebol soubesse que vocês foram os primeiros a chegar a uma fase final?

A pandemia rebentou com todos nós, mas deu-nos a oportunidade de vermos na TV alguns jogos antigos e recordar esse Campeonato da Europa, e outros. Muitos viram a nossa qualidade naquela altura porque a verdade é que nós tínhamos muita qualidade. Esta geração ao ver-nos jogar tem uma dimensão um pouco diferente. Não há antigamente. O futebol é sempre igual. A diferença que existe agora é que eles têm outras condições. Mas, a capacidade física, técnica e psicológica era muito boa. Estou convencido que psicologicamente eramos mais fortes do que agora e quando a cabecinha não pensa as coisas não correm bem.



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Marc Valldeperez

Soy el administrador de marcahora.xyz y también un redactor deportivo. Apasionado por el deporte y su historia. Fanático de todas las disciplinas, especialmente el fútbol, el boxeo y las MMA. Encargado de escribir previas de muchos deportes, como boxeo, fútbol, NBA, deportes de motor y otros.

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