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João Nuno Fonseca: "Sinto que alguns jogadores já nem se interessam por futebol" – Flashscore.pt


Aos 35 anos, João Nuno Fonseca já viveu muito no futebol. Do Catar a França, passando pela formação do Benfica e um trabalho como analista para o City Group, o jovem treinador teve a oportunidade de beber muito conhecimento ao longo dos últimos anos e sente que chegou a hora de colocar tudo em prática. O passado, presente e futuro, em entrevista ao Flashscore.

João Nuno Fonseca “nunca” foi muito apressado. O jovem treinador natural de Vila Nova de Famalicão aguarda de forma tranquila que o telefone toque com a “oportunidade certa” para abraçar um novo desafio. E enquanto ela não surge vai aproveitando para beber muito daquela que é a sua paixão: jogos de futebol.

O passado como analista deu-lhe uma visão mais ampla em torno daquilo que são as diversas dimensões do jogo e do jogador, e acredita que esse lado mais analítico é um complemento perfeito para outras características que considera fundamental para um treinador de futebol: liderança e caráter.

Precisamos apenas de uns minutos para perceber que o futebol corre-lhe mesmo nas veias. A forma entusiasta como partilha conhecimento sem qualquer tipo de filtro é contagiante e reforça a sua ambição, que passa por assumir um projeto como treinador principal. O mercado português “recheado de talento” agrada-lhe, mesmo que a grande maioria das suas últimas experiências tenham sido passadas no estrangeiro.

“As grandes ideias surgem de coisas ousadas”

– Como tem ocupado os seus dias nos últimos tempos?

– A consumir bastante futebol. O ‘bom’ de estar entre projetos é a capacidade de conseguirmos ocupar o nosso tempo a ver ligas e equipas que durante o período de trabalho não conseguimos. É uma boa reciclagem ter este tempo. Nos últimos seis meses também dediquei-me a terminar o UEFA Pro, que o concluí em maio com a federação da Irlanda do Norte. No fundo, foi um bom tempo para estar e regressar a Portugal e continuar a tentar perceber onde o futebol está a evoluir.

Também sou adepto de que nem só de futebol os treinadores podem tirar exemplos. Eu tive a oportunidade durante este período de ver outras coisas para além do futebol, por exemplo em termos de liderança e de forma de estar. Acredito que se conseguirmos tirar um bocadinho de cada um ficamos ainda mais completos.

João Nuno Fonseca concluiu recentemente o UEFA ProArquivo Pessoal/Opta by Stats Perform

– Daquilo que tem visto, o que despertou mais a sua atenção?

– Chamou-me muito a atenção o St. Pauli da segunda liga alemã. Agora fala-se muito neles porque o treinador (Fabian Hürzeler) foi para o Brighton, mas destaco-o sobretudo pela ousadia que teve de implementar uma ideia que há muito tempo que adoro: a capacidade de incorporarmos o guarda-redes na primeira e segunda fases de construção, como uma espécie de líbero. Acredito que essa ideia crie um pouco de mal-estar, mas vai da capacidade de cada um.

– A ideia é de facto algo muito importante e que define o estilo de um treinador…

– Como treinadores, temos de perceber o que temos à nossa disposição como jogadores. A minha intenção e ideia nunca vão estar acima da capacidade dos jogadores. Temos sempre de adaptar e ir ao encontro da natureza deles. Quem estiver atento e conseguir ler e sincronizar o saber estar dos jogadores vai conseguir tirar o seu potencial e criar coisas novas, que as pessoas não estão habituadas a ver. As grandes ideias surgem de coisas ousadas. Acho que isso será uma tendência. A velocidade do jogo vai ser cada vez maior e isso implica uma velocidade de pensamento dos jogadores cada vez maior também. 

– O futebol está  em constante evolução. Quando está a ver um jogo, o que lhe salta primeiro à vista? Ou aquilo que procura identificar primeiro?

– Gosto de ver e tento perceber se as equipas conseguem criar tempo para ter tempo com bola. Num futebol tão acelerado, de transições, aquilo que procuro ver é sempre isso. E de que forma as relações são feitas.

“Ter estado fora pode acrescentar muito cá dentro”

– Aos 35 anos, o João conta com um currículo muito interessante. Depois de ter iniciado o seu percurso na Académica de Coimbra, passou pela academia Aspire, no Catar, acredito que uma realidade completamente diferente, e teve ainda uma experiência no grupo City, que terá sido certamente muito enriquecedora. Sente um certo privilégio por já ter tido essas oportunidades?

– Foram experiências que me fizeram crescer muito enquanto pessoa. Para além do profissional, a oportunidade que tive de estar três anos a consumir conhecimento a cada semana na academia Aspire, com nomes como Allegri, Conte, Bielsa, Juan Manuel Lillo, que é uma das referências para mim. Posso dizer que fui um afortunado por ter essa oportunidade. Fez-me pensar muito. Tive de adaptar-me à cultura e à maneira de pensar e de estar do país, que estava em constante mutação.

Percebi que não interessa ter uma ideia pré-definida. O que muda são as pessoas e a forma como chegas a elas. Vivemos numa cultura portuguesa de determinada forma, que não é replicada no Catar, Japão ou Austrália. Essa capacidade de adaptação foi o meu maior crescimento.

João Nuno Fonseca trabalhou três anos no Catar
João Nuno Fonseca trabalhou três anos no CatarArquivo Pessoal

– Acaba por regressar à Europa. Sentiu essa necessidade?

– Senti falta da competitividade e isso teve bastante peso no facto de querer regressar a um contexto em que sentisse que fosse de maior competitividade. Acredito que ainda poderia lá estar (no Catar), mas eu sinto muito a necessidade de sair da minha zona de conforto quando me sinto confortável. Sou jovem e ainda tenho muito para dar. Agora, posso dizer que a experiência no Médio Oriente foi a que mais me marcou até ao momento.

– Seguiu-se uma passagem pela formação de um grande do futebol português (Benfica). Quais os desafios?

– Um exemplo simples: no Catar fazias um exercício num 18-16 e ali reduzes o espaço e consegues ter o mesmo sucesso. Foi um privilégio tremendo ter essa oportunidade numa academia de renome mundial e ter a oportunidade de estar numa final europeia a disputar um título europeu. (…) Temos muita qualidade no nosso país. Se hoje me ligassem, eu aceitaria uma proposta para estar em Portugal. O que temos é extremamente bom, agora tem é de existir um projeto para que eu possa voltar ao ativo em Portugal.

– Sente que o facto de as suas últimas experiências terem sido no estrangeiro (Stade Reims e Valenciennes) o afastaram um pouco do mercado português? Ou seja, as pessoas nem equacionam o seu nome para um projeto em Portugal por assumirem que o João só está interessado em projetos no estrangeiro.

– Já falei sobre isso com as pessoas mais próximas. Acredito que possa existir esse pensamento de “ele está lá fora e não quer regressar”. Mas o que eu digo é: “falem!” Não há nada como falar e conhecer para perceber o que as pessoas querem. Não sei se é cultural, mas parece-me que sim. Agora, posso dizer que o facto de ter estado fora pode acrescentar muito cá dentro.

 “Tenho a ambição de ser treinador principal”

– Depois de muitos anos como analista e treinador adjunto, o objetivo é assumir um projeto enquanto treinador principal?

– Tenho essa ambição. Tenho essa vontade e querer, mas considero que o facto de não ter sido ainda principal possa dificultar o primeiro passo. Mas depende muito das pessoas que estão a liderar e das direções desportivas. Veja-se o exemplo do Francesco Farioli, com quem tive a oportunidade de trabalhar no Catar. Foi-lhe dada essa oportunidade na Turquia, depois no Nice, e vai agora para o Ajax. Isto é uma questão do telefone tocar com a oportunidade certa e estares preparado para essa decisão. Eu estou preparado, só ainda não recebi o telefonema certo com a oportunidade certa. 

Stade Reims foi um dos últimos projetos de João Nuno Fonseca
Stade Reims foi um dos últimos projetos de João Nuno FonsecaStade Reims

– Sente que lá fora não se olha tanto para a idade?

– A minha ideia será sempre perceber se os contextos permitem a entrada dos jovens treinadores. Não vale de nada só nós termos a vontade, é preciso perceber se existe caráter para liderar processos de alto nível e quais os clubes que o permitem. O exemplo do João Pereira, com o Casa Pia, é fantástico. Fico muito contente pelo João Pereira ter tido a vontade e a oportunidade em contexto de primeira liga. A mesma coisa com o Daniel Sousa (Arouca-SC Braga).

– De todas as experiências que teve, qual a experiência que mais influenciou a sua ideia de jogo?

– Estive recentemente no Reims e foi uma experiência muito rica num aspeto que considero importante para os treinadores. Estava com o Óscar García, um treinador muito ligado à cultura Barcelona, com ideia de jogo de posse, mas estavamos num contexto em que ter a bola era muito difícil, face aos duelos, competitividade e à forma como os jogadores eram aguerridos e não permitiam ter esse tempo com bola. Essa readaptação à intenção de jogar foi das coisas mais impactantes nos últimos anos. Conseguimos implementar esse estilo de posse em determinados jogos na liga francesa, mas tivemos de readaptar muita coisa em treino, que nos fez pensar que o contexto e o que temos à nossa frente vai sempre moldar a nossa forma de ser e de estar como equipa.

– Ou seja, sempre dependente do contexto…

– Completamente. Podemos ter uma intenção clara de jogar, mas se entramos num contexto em que essa intenção não foi patente nos últimos meses/anos, nós temos que criar forma de estar que traga os jogadores para aquilo que nós queremos, não mudando aquilo que são. A maturação que tive ao longo dos anos, e continuo a ter, permitiu-me pensar desta forma, não perdendo a minha essência. Ou seja, temos de olhar sempre para onde estamos e levar as coisas para onde queremos ir. 

– Que importância pode ter a parte da análise para este lado de treinador?

– Muito importante. É curioso porque recordo-me muito bem de uma conversa com o André Villas-Boas, na altura ele treinador da Académica e eu treinador na formação do clube, que me permitiu perceber a importância que a análise teve naquilo que ele era como treinador. Deu-me muitos conselhos de como perceber o jogo e readptar para o treino.

João Nuno Fonseca aguarda por projeto atrativo
João Nuno Fonseca aguarda por projeto atrativoArquivo Pessoal

Tu podes ser muito bom a analisar, mas não ter personalidade e caráter para ser treinador. Eu sinto que o caráter e forma de estar me permitiram fazer caminho enquanto treinador, para um dia chegar a treinador principal. Agora, foi extremamente importante ter passado pela análise, porque consegui ver dois mundos. Eu via o jogo com determinada lente, hoje consigo ter uma lente muito mais angular. E ver a 180 graus é melhor do que ver a 100.

“O fenómeno negócio leva-nos a extremos”

– Como é que o João olha para o futebol aos dias de hoje?

– Muito mais do que um fenómeno social, para além da questão do negócio e todas as questões financeiras, sinto que há alguma natureza do jogo que se está a perder e fico um bocado triste por ver a falta de sensibilidade que existe nessa matérica. Temos tantos jogos, que sinto que alguns jogadores já nem se interessam por futebol.

– É cada vez mais analítico e baseado em métricas. Perde-se muito a essência…

– Completamente. Tudo é contabilizado. Parece que metemos uns óculos e vemos aqueles números em cima dos jogadores. Vemos cada vez mais jovens a não ver futebol e a irem por outros interesses. Temos de ter a capacidade de olhar para o futebol pela natureza que o futebol é. Mas não, só vemos números… 

É engraçado, que a propósito deste tema, recordo-me de uma história com o Óscar Cano no Catar. Ele disse: “monta aí um quadrado e eles jogam um meiinho”. Simples. Ou seja, a felicidade de pegares em quatro cones e não montares uma pista de aterragem no treino vai dar-te muito mais, às vezes.

– Sente que há um sério risco de se começar a perder as pessoas para outra coisa? Talvez seja preciso o futebol reinventar-se…

– É um risco porque o fenómeno negócio leva-nos a extremos. Temos de perceber que a tecnologia está a afetar as relações humanas. Está a retirar o estarmos à mesa, a comer uma boa refeição e a beber um bom copo de vinho. Seja em entrevistas com diretores desportivos, presidentes ou treinadores, o que digo sempre é que podemos falar ao telefone, mas nada é melhor do que podermos sentar-nos à mesa e conversar para conhecermos verdadeiramente as pessoas.

– Parece que não há tempo para isso…

– Hoje em dia tens plataformas sociais em que fazes um vídeo com mais de cinco segundos e o miúdo que está a ver muda logo para cima. Tens de saber criar relações. No Valenciennes tivemos uma ação muito curiosa. Levamos uma Jenga (jogo de tabuleiro) e um UNO (jogo de cartas) para o contexto de grupo e vimos os jogadores a jogar e juntámo-nos também. Isso cria relação.

Eu sinto-me na geração que viveu o antes da tecnologia e o agora com toda esta tecnologia. Hoje em dia é muito fácil reunir pelo zoom e não te encontras a meio. As notícias são rápidas. Sabes instantaneamente o que acontece no outro lado do mundo. É tudo muito rápido, mas as relações não são rápidas. As relações constroem-se com tempo, consistência… A mesma coisa com os projetos do futebol. Hoje em dia olha-se mais para a performance e não em dar o tempo devido.

Portugal entrou a vencer no Euro-2024
Portugal entrou a vencer no Euro-2024FPF

“Faltou um pouco de largura à Seleção”

– O João já pensou porque é que o treinador português é muito apreciado um pouco por todo o mundo? Que fenómeno é este?

– Acho que há dois fatores que nos distinguem dos demais. Metodologicamente estamos muito à frente, somos realmente bons, e depois temos uma componente fundamental que é a capacidade de criarmos relações onde chegamos e de agregar as pessoas no nosso processo. Estes dois fatores unidos acho que nos tornam em treinadores muito mais completos.

– Para terminar, permita-me que aproveite o contexto Euro-2024 e o seu passado e bagagem como analista para lhe perguntar sobre a Seleção. O que lhe pareceu o jogo contra a República Checa (2-1)?

– Começando no plano defensivo, acho que nós, principalmente quando perdíamos bola, tínhamos falta de um médio defensivo puro. A tal incorporação do Cancelo por dentro poderia dar determinadas coisas do ponto de vista ofensivo, mas depois faltava-nos alguém que pudesse segurar segundas bolas. Íamos ter sempre muito mais tempo a bola, mas acho que nos faltou a forma como fixar a linha defensiva adversária e fazer com que ficassem constantemente desconfortáveis. 

Faltou-nos também uma questão: largura. Ter um homem no lado direito e outro do lado esquerdo sempre abertos para que os laterais que estão a defender estejam sempre com constantes reajustes e a abrir espçaos entre os laterais e centrais, onde poderíamos ter sido mais proveitosos. Acho que não foi vantajosa a combinação entre Bernardo Silva e Dalot e acredito que isso vá mudar para o próximo jogo. Apesar de termos sido dominadores, não fizemos um jogo perfeito, muito longe disso, mas ponto fundamental: temos de tirar proveito da largura que temos e com os jogadores que temos. Temos jogadores para entrar por dentro, temos o Cristiano que consegue fazer movimentos fantásticos para iludir os centrais… mas como criamos desconforto? É através da largura.

O posicionamento médio dos jogadores de Portugal
O posicionamento médio dos jogadores de PortugalAFP/Opta by Stats Perform

– Mas acredito que seja o sonho de qualquer treinador ter tanta qualidade à sua disposição.

– É difícil, mas é o bom de sermos treinadores. São estas escolhas e decisões que nos fazem amar esta profissão. Eu acredito que nós temos os melhores ingredientes do mundo para fazer a melhor comida portuguesa e, se calhar, a nível europeu. De que forma se conjuga tudo? O chefe é o treinador. É preciso criar relações e perceber por onde é que o adversário vai sofrer. Sinto que faltou ter os tais dois homens sempre encostados à linha e um médio defensivo para ter equilíbrio.

– Este primeiro jogo mudou a sua perspetiva sobre o que Portugal pode fazer no Euro-2024?

– Confesso que causou alguma apreensão. Acho que podíamos ter tido uma maior ousadia estrategicamente. Percebo que há pontos que sejam difíceis de tratar e que o tempo que tens com o grupo de jogadores não é o desejado. Mas esse trabalho de um selecionador tem de ser feito de forma muito precisa. É como afinar um relógio suíço. Temos de de ser dominadores na estratégia que vamos adotar e ser cirúrgicos no que há a transmitir aos jogadores.



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Marc Valldeperez

Soy el administrador de marcahora.xyz y también un redactor deportivo. Apasionado por el deporte y su historia. Fanático de todas las disciplinas, especialmente el fútbol, el boxeo y las MMA. Encargado de escribir previas de muchos deportes, como boxeo, fútbol, NBA, deportes de motor y otros.

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